Políticos e especialistas levantam a pergunta: não está na hora de encerrar a cobrança da bandeira vermelha de escassez hídrica?
Por CINTHYA OLIVEIRA 21/02/22 – 03h00
Com o registro histórico de chuvas em um período úmido e um aumento significativo no volume dos reservatórios, a sociedade mineira questiona se já não estaríamos no momento certo para o fim da bandeira vermelha de escassez hídrica, cobrança excepcional iniciada em setembro de 2021 para cobrir os custos com o uso das termoelétricas durante a estiagem.
Prevista para acabar somente em abril, a cobrança pesa no bolso de todas as famílias e provoca uma pressão sobre a inflação, já que a energia mais cara gera mais custos para toda cadeia produtiva, da indústria ao comércio. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 39,43% das famílias de baixa renda atrasaram a fatura por pelo menos um mês em 2021.
Alguns políticos se movimentaram para exigir o fim da alta cobrança, levando em conta a atual crise econômica. O governador Romeu Zema (Novo) foi um deles. Em janeiro, ele postou nas redes sociais que havia encaminhado ao Ministério de Minas e Energia para que a taxa fosse abolida antecipadamente. Mas não obteve sucesso e o ministério negou a suspensão da bandeira extraordinária.
Welington Prado (PROS-MG), deputado que tem pressionado a Aneel para que se determine o fim da cobrança, acredita que o governador só conseguiria sucesso na solicitação se tivesse buscado mais políticos com adesão à pauta, em nome de uma maior pressão.
“Com todo respeito ao governador, acho que ele joga para a plateia. Ele deveria pensar em ações mais estruturantes, em unir forças com toda a bancada (de deputados mineiros) em vez de realizar uma ação isolada. Ele tem que agir junto com a bancada e não só para a rede social”, diz o deputado.
Prado afirma que tem buscado diferentes meios para conter a cobrança da bandeira de escassez hídrica, acionando Ministério Público e outros órgãos. “Vamos bater pesado na Comissão de Defesa do Consumidor. Estão todos revoltados porque nossos reservatórios estão cheios e o país continua pegando por essa tarifa”, afirma o deputado. “É uma cobrança injusta e a considero como ilegal, porque não está prevista nos contratos de concessão (com as empresas responsáveis pela distribuição). O contrato fala em reajustes anuais e em revisões tarifárias, mas não está prevista a bandeira”.
O deputado estadual Tito Torres (PSDB) também solicitou o fim da tarifa excepcional, em ofício enviado à Aneel no mês passado. A agência respondeu com uma carta, onde argumenta que a bandeira vermelha serve para custear os gastos que as empresas tiveram ao contratar energia das termoelétricas.
“A resposta não leva em conta os níveis dos reservatórios. Existe uma divulgação periódica dos níveis e a situação é confortável, Três Marias está acima de 90%, enquanto Furnas está com mais de 70%. Mas, infelizmente, o governo não vai abrir mão desses recursos. Água está tendo demais, o que falta é boa vontade”.
Por meio de nota, o governo de Minas afirmou que reforça a importância do pedido de fim da cobrança, “motivado não somente pelos efeitos da pandemia, mas também pelos graves impactos recentes das chuvas em nosso Estado”.
Por meio de nota, o MME reconheceu que os reservatórios tiveram aumentos significativos nos níveis, mas que é preciso esperar para verificar se as chuvas continuarão volumosas em março e abril. Disse ainda que já contratou energia gerada por termoelétricas para os anos de 2022 e 2023 (veja nota abaixo).
Já a Aneel respondeu à reportagem que a cobrança existe para cobrir os custos do ano passado. “A Bandeira Tarifária Escassez Hídrica foi criada por determinação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG), por meio da Resolução CREG nº 3, de 31 de agostos de 2021, para custear o acionamento excepcional de usinas térmicas e importação de energia e equilibrar as receitas e despesas da Conta Bandeiras até abril de 2022”.
A Cemig informou que as bandeiras tarifárias que incidem nas contas de energia dos brasileiros são definidas pela Aneel. “Elas valem para todo o território nacional, sendo o mesmo valor aplicado para todos os consumidores no país. Ou seja, a Cemig não define quando é aplicada uma bandeira tarifária ou não”, disse a empresa.
Em fevereiro, a bandeira da conta de luz será verde para os consumidores que recebem o benefício da Tarifa Social de Energia Elétrica, cerca de 24 milhões de residências no país, segundo o governo federal.
É preciso ter mais planejamento
Eusébio Souza, professor do curso de Engenharia Elétrica do UniBH, acredita que este já é o momento em que o país possa rever a cobrança da bandeira vermelha de escassez hídrica, levando em conta o sofrimento das famílias de baixa renda por causa da crise econômica.
“A população está sofrendo com o desemprego, com a redução na jornada de trabalho, com a queda na renda. Uma revisão na cobrança seria interessante para a população”, diz o professor. “As pessoas mais pobres estão sendo penalizadas. É preciso investir em energia barata, para que o pobre não precise abrir mão do pouco conforto que tem”.
Para o professor, uma política pública de energia baseada em tarifação não resolve as questões nem proporciona crescimento econômico. “A solução para o problema deve ser planejada a longo prazo, diversificando a matriz energética, usando opções como solar e eólica, e levando em conta o clima e o efeito do aquecimento global”, afirma o especialista. “Alguns países têm produzido estímulos para que a população tenha um sistema de geração fotovoltaica nas residências”
Souza ainda defende que o poder público deveria investir na educação, para que houvesse um maior desenvolvimento de projetos voltados para a resolução de nossos problemas, e uma parceria entre ensino e indústria. “O Brasil precisa de uma política pública que entenda que a escola gera ciência e tecnologia, transferidas para a indústria, gerando emprego e renda de forma sustentável”.
Governo errou em não focar na prevenção
Coordenador do programa de energia do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Anton Schwyter acredita que a cobrança deve permanecer até abril, para garantir o pagamento dos custos pretéritos, mas é preciso ter planejamento governamental para que a situação não se repita. Afinal, a conta sempre recai sobre os consumidores e prejudica os mais pobres.
Ele explica que, historicamente, o poder público vem cometendo erros na gestão da produção energética e o atual governo errou em não tomar atitudes em 2020, quando houve o isolamento e já havia sinais de que os reservatórios estavam muito baixos. “Naquele momento, já poderia ter sido feita uma campanha de racionamento de energia”, diz o especialista, lembrando que a alta do dólar influenciou na subida da energia elétrica (porque a produção de Itaipu é calculada em moeda internacional) e o petróleo também pressiona, já que o diesel foi muito consumido pelas termoelétricas em 2021.
Segundo Schwyter, é preciso ter uma política pública com incentivos de transmissão, conservação e eficiência energética, já que não é possível saber como as mudanças climáticas vão interferir nos reservatórios nos próximos anos. “Tá certo que a nossa matriz energética foi se alterando, foram construídas mais usinas térmicas, eólicas e solares, e nossa dependência das hidrelétricas foi diminuindo, mas ela ainda corresponde a 60% do total. Porque quando o sistema foi pensado, não se falava em mudanças climáticas”, argumenta.
Confira a nota do Ministério de Minas e Energia (MME) na íntegra:
“A escassez hídrica excepcional vivida em 2021 nas principais bacias hidrográficas das regiões Sudeste e Centro-Oeste levou o Governo Federal a adotar medidas extraordinárias para preservar a confiabilidade e a segurança do abastecimento de energia elétrica para toda a população brasileira.
A bandeira de escassez hídrica foi instituída para cobrir os custos excepcionais da geração térmica e das ações de redução voluntária de demanda que foram realizados em 2021 e faz-se necessário arrecadar esses valores até abril de 2022 conforme planejado quando da criação da mesma.
Com as chuvas dos últimos meses, houve uma melhora significativa nos níveis dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Entretanto, o período chuvoso não terminou. Desta forma, ainda há incerteza quanto às chuvas nos meses de março e abril.
As boas chuvas que estão ocorrendo agora tendem a reduzir o custo futuro da operação do sistema. Com mais água nos reservatórios, não será preciso acionar as termelétricas mais caras no período seco de 2022, que vai de maio a novembro. Essa redução de custos será capturada nos processos tarifários ordinários das distribuidoras por meio de reajustes menores nas tarifas dos consumidores finais.
Dessa maneira, o Ministério de Minas e Energia continua monitorando a evolução dos reservatórios das hidrelétricas. É essa recuperação que vai garantir a segurança no fornecimento de energia elétrica não somente neste, mas também nos próximos anos.
Adicionalmente, foram contratadas usinas termelétricas para aumentar a segurança do suprimento de energia elétrica no período de 2022 a 2023. Essas usinas devem entrar em operação até maio de 2022”.
REPRODUÇÃO JORNAL O TEMPO